enquanto a massa de sinapse tinge o tampão do crânio, o dente range entre um e outro, como se fragmentasse o pulso em pequenas partes pra digestão. a ideia surge lá no fundo, numa dança orgasmática entre matéria e espírito, azul e magenta brilham e deslizam da base da medula ao lobo frontal. a ideia é uma fagulha, um vácuo onde a imortalidade humana existe e resiste. a ideia dura o que tem que durar. dura enquanto o tempo não vira pensamento. o suficiente pra mudar a rota da existência. a ideia dura enquanto o tempo não toma a frente e endireita suas arestas, encaixota suas percepções, enquadra em referências, verbos. a ideia dura o que tem que durar. há muito tempo uma ideia resiste. brilha no topo da minha cabeça e antes que eu possa capturar, se esvai entre minhas orelhas. nessa incessante luta, nada de novo me floresce. hoje foi diferente. ela surgiu como um raio, intraduzível. trouxe em seus braços seu próprio tempo e seu próprio pensamento. me entregou um franzir diferente, traduzido em semi-colcheias e dentadas no silêncio. luzes se apagam. spotlight aputure, lente 36⁰, ilumina a ideia na minha frente, 3200k. fundo escuro, ela brilha única. eu encaro. a ideia forma e se deforma. nem tempo, nem pensamento me protegem dela. eles só perambulam por nós, como um reflexo numa superfície aquática. ser poderoso demais. me calo. a ideia ri e gargalha, potente demais pra caber no que é dito. ela dança, sobe aos céus e desce bem rente ao chão. eu olho pra ela com a certeza de que nunca vai me caber. de que nunca será minha por completo. e flutua assim, raivosa e poderosa, como um rasgo visceral de fome de vida, de fome de existir. o pensamento se entrelaça no tempo e me entregam em um vento desconfortável um convite. uma forma de olhar pra essa ideia sem perder sua dimensão, jamais. e é assim que a reencontro, todo dia, toda vez que quero revê-la, conhecer seu tamanho, que a cada dia ganha novos quarteirões, precipícios e aldeões. me sento, respiro e penso... o que tô fazendo da minha vida? e ela ri.